segunda-feira, 14 de maio de 2012

Suicídio espiritual.

Seu corpo balançava em sintonia com o som distante tocado pela lira, seus olhos piscavam juntamente com a pausa poética da voz suave que ele ignorava. Os sons de suas palavras tornavam-se mudas em seus pensamentos absortos e a felicidade ainda resplandecia. Era como uma cadeia alimentar, animais sobreviviam a isso; John sobrevivia ao som suave da pequena lira soando distante, tão longe de seus ouvidos. A música o seguia, não importava.
Os dias se passavam e a canção soltava-se aos ouvidos, estancavam-se à eles. John enlouquecia de certa forma tentadora e seus sonhos não eram mais sonhos. A depressão lhe invadia a face. A música se tornava trilha sonora de filmes de terror, de cenas de amor e de pesadelos reais. Ideias subliminares invadiam a canção antes suave. Ele lutava com o sofrimento ao mesmo tempo em que matava a si próprio, não sentia dores de um corpo solene. Ele era apenas uma borboleta querendo voar em um mundo musical; sem vida espiritual.
O sangue invadia sua face celestial e seus olhos azuis cobalto não realçam mais o calor de sua pele gélida, pálida. O vermelho tornou-se eterno e seus pés curvos tornaram-se essenciais. O prédio de onze andares o ajudava – pulou. Agora era uma borboleta, talvez uma águia pronta a debruçar-se sobre um animal indefeso. Isso tudo não passa apenas de uma plena cadeia alimentar, onde apenas o forte sobrevive. Alimente-me.
"Desisto do mundo, desisto das palavras e desisto do amor. Aquele que me partiu a carne em pedaços, retirando o único órgão que ainda batia no meu eu e podia ter algo a trazer. A música pode ser a alma para trazer tudo à vida. Trago-te em um papel, o das listas dos próximos mortos que lhe trago – você é a primeira da lista. Eu apenas desisto da vida, em todas as letras que podem sair de meus lábios agora, eu apenas digo um adeus rouco e sem voz interna. Desisto."
Incognição.

Ódio.

O rancor invadia as luzes petrificadas de um ódio restrito ecoando pelo quarto vazio; sem vida. As lágrimas tomavam conta do eterno choro preso em sua tez amarrada à dor, ao sofrimento de um odiar eterno. Em sua mente, o latejar de uma crise estupefata do desejo inevitável, a morte de um corpo imóvel jogado ao carvão de uma vida sem chaminé. Alimentar-se das pequenas coisas lhe parecia uma ótima ideia, igual o sussurrar de uma dor alinhada e o paradoxo da raiva esvaziava-se entre os lençóis curtos à medida que se tratava de seus pés nuns. Tudo lhe mostrava a cólera; um sentimento de ira, de remoção.
Seres compostos da rivalidade de um mundo sem senso, de uma vida sem vida, do amor sem o perdão. A falta invadia suas tripas na metida que seu coração batia fracamente sobre a vida destroçada. O pequeno inferno imposto sobre você mesmo, sobre o amor empilhado aos corpos nuns em um cadáver decepado; o sangue composto das substâncias que almeja. O arfar da agonia invadia sobre o ódio do rancor e os cachos bronzeados contornavam-se sobre a tez da menina que se sentava ao canto suave de vidas impostas e chorava agoniada. Uma palavra permanecia sob sua mente vazia: Rancor. Chorar não fazia bem o quanto diziam e seu coração estava apertado entre o vão de pequenos órgãos massacrados.
O ódio lhe pertencia, assim como as teses lhe satisfaziam e a falsidade lhe importava.

Incognição.

Classicismo.


Todos estavam enfileirados sobre o tapete felpudo que ligava a escada até a extremidade mais curta da grande porta do museu. Viam-se diferentes expressões em cada face dos alunos do colégio central: entediadas, animadas e neutras. Os professores contavam cada cabeça, como se fossem um grande número de gado precioso. Apenas uma pessoa de aparência meiga, delicada, destacava-se entre todas elas; a menina com um olhar tímido e encolhida ao canto do ônibus – sendo a última à deixar o ônibus. Solitária, parecendo pronta a desmoronar no primeiro toque de outro alguém. Estava corada, demonstrando ainda mais o empreendimento.

— Louis, venha, eles vão abrir os portões do museu — Um menino rechonchudo com cachos de anjo apareceu trotando, em direção à menina loira, e pingando suor sobre as grandes bolas negras que havia aos lados de seu grande nariz de porco. Desmoronou-se no chão enquanto pisava em seu cadarço desamarrado, levantando-se atordoado com o baque que tremera o ônibus chamando atenção de todos ao redor e voltando-se para Louis os amarrar sobre a cadeira do ônibus — Arg... Cadarço cretino.
— Você tem que se acalmar, Jack. Não iremos perder nada, o teatro atrás só abrirá mais tarde.
— Não é isso, quero ver as pinturas e os textos trancados entre as pilastras de vidro. — Arfou. — E você sabe, preciso saber onde minhas obras ficarão um dia — Louis soltou uma risada abafada — Não ria, eu lutarei por isso.
Jack saiu correndo em direção à grande porta de madeira que se abria, caindo novamente sobre o tapete vinho tinto. Atrapalhado. Louis ainda possuía seu andar calmo e encarava o chão, rindo um pouco do jeito que seu amigo estava desengonçado e animado com aquele passeio. Ela gostava de vê-lo sorrir. Seus cabelos faziam cachos nas pontas com a brisa fina que batia sobre sua face, enquanto o menino a gritava e acenava insistentes vezes com o intuito dela vê-lo entrando ao museu.
Adentrando o mesmo ela abriu um belo sorriso, enquanto observava o teto e as paredes do local decoradas com pinturas – que mais se pareciam rupestres. Uma música erudita ocidental invadia, suavemente, os ouvidos de Louis, fazendo-a flutuar sobre suas sapatilhas azuladas que realçavam a cor de seus olhos cor de mar – um belo par para os de Jack. Suas mãos foram agarradas e puxadas para outra sessão enquanto seus olhos fechados demonstravam a satisfação do cheiro de ervas que invadia o local.

— É aqui que ela vai ficar! — Seus pés saltaram do chão ao ver Jack pegando uma cola e seu texto com letras garranchadas e ilegíveis.
— O que está fazendo, Jack?
— Estou deixando minha marca neste museu, eu te disse que ele iria ficar aqui. — Respondeu enquanto já o colava, em cima de outro que provavelmente seria de Camões, sobre a pilastra de vidro.
— Você não pode fazer isso. — Louis soltou um breve grito agudo que fez com que Jack tapasse os ouvidos.
— Cuidado com seus gritos. — Bufou. — E por que não posso?
A música cessara e o museu antes clássico tornou-se um inferno para Louis. O teatro falhara, mesmo com a peça na qual ela sempre gostou da época do Neoclassicismo, e o museu que valorizava as antiguidades clássicas não bastava. Seu amigo soluçava e seus sonhos foram jogados no lixo por uma ambição repentina. Ela não queria estar ali. O clássico se tornou vital e as artes que sempre quis conhecer só iluminavam o grande museu artístico, que renascia cada obra dos grandes fiéis do classicismo. Sabia ela o significado de tudo antes de questionar Jack?
Uma última estrela brilhou no céu violeta.
Não, ela não sabia de nada. Não sabia como era ver novamente um sorriso vindo de Jack, mesmo que ele estivesse certo. Não via emoção em seu olhar e não viu naquele momento que mesmo que ele estivesse fazendo uma coisa ilegal, não poderia questioná-lo por velhas artes clássicas. Ele era seu amigo, aquele que possuía o mais lindo sorriso e retirava todos os sentidos de Louis. Talvez aquele fosse o único, o mais precioso de todos os diamantes, quem sabe.
Incognição.
"A gente podia ter tido mais calma. Podíamos ter ido mais devagar. Deveríamos ter segurado a onda e medido as palavras. A gente tinha que ter tentado controlar a raiva para não magoar o outro. Nossos passos tinham que ter sido exatos, nossos tropeços eram pra significar NADA perto daquilo que estava começando a ser algo especial e único. Erramos feio. Falamos demais e agimos de menos. Magoamos demais e amamos de menos. Gritamos demais e fomos sensíveis de menos. Lutamos demais e nos entregamos de menos. Relutamos e tivemos medo demais e nos apaixonamos de menos. Erramos feio. Tudo que não era pra ser feito fizemos em dobro. E o que era pra ser…bem, ficamos no saldo devedor, no vermelho. A gente podia ter tido uma história linda. Mágica, pura, sem cobranças, cheia de respeito, livre, saudável e deliciosa como o barulho da chuva. Era pra ter sido amor."
Clarissa Corrêa.